sexta-feira, 1 de novembro de 2013

O metrô de Paris é uma festa!

Texto publicado na revista Próxima Viagem
por Cynthia Camargo

Victor Hugo foi contra. O escritor considerou abominável a ideia de um trem correndo debaixo da sua Paris. No mínimo, o ruído iria lhe atrapalhar a inspiração. Durma-se com um barulho desses. Ser contra o metrô no século 19, porém, era - já naquela época - estar no trilho errado. Londres saiu na frente, inaugurando o seu, em 1863. Nova York faria o mesmo em 1868, assim como Chicago, em 1892 e Budapeste, quatro anos depois.




Nenhum desses trens subterrâneos, de qualquer maneira, se tornaria tão conhecido e glamoroso, nenhum deles seria tão visitado quanto aquele inaugurado por último no século: o metrô de Paris. Sim, foi ele que deu nome não só a seus quatro precursores como, também, a todo e qualquer similar a partir daí. Foi o primeiro a ser chamado simplesmente de metrô.

No dia 19 de julho de 1900, com toda pompa e uma festa au grand complet, o métropolitain abriu as portas de sua linha inaugural. Registre-se a favor dos franceses que, desde a primeira metade do século 19, Paris já vinha discutindo o assunto.

Dúzias de projetos foram rejeitados. Até que, em 1895, finalmente, a prefeitura deu boas-vindas ao desenho do engenheiro Fulgence Bienvenüe. Era, de fato, um plano bem resolvido e foi logo levado à prática. As obras tinham que começar o mais rápido possível, pois todo o orgulho francês iria por terra abaixo, caso os ingleses, eternos concorrentes, dessem pela falta de um trem subterrâneo, ao desembarcarem em Paris para a Mostra Universal de 1900.
(...)

Há uma estação próxima de toda e qualquer atração de Paris. Ninguém pode reclamar.


O visitante paga não só o tíquete para um transporte rápido e não-poluente, mas, com ele, o pedágio para uma metrópole subterrânea, com lojas e cafés - no fundo, uma outra cidade, revelada no filme Subway (1987), aquele que Christopher Lambert "morava" embaixo da terra, onde curtia dor-de-cotovelo por Isabelle Adjani.

O bilhete inclui, ainda, um variadíssimo espetáculo artístico, um movimentado e informal vaudeville, o teatro de revista francês. Se o metrô de Paris é meio de transporte para mais de 10 milhões de pessoas por dia, também é meio de vida para os seus mais de 10 mil funcionários e para os incontáveis artistas que se exibem em quase todas as estações.

Há de tudo: grupos de reggae, de blues, de tango, de samba, de soca, quarteto de cordas, orquestras eruditas, virtuoses do violino, da flauta transversal ou do fagote (muitos deles, do Leste Europeu), faquires, ventríloquos, mímicos, performáticos indefinidos. Além, claro, dos artistas underground - sem trocadilho.

Alguns preferem apresentar-se dentro dos trens, fazendo um show relâmpago entre uma estação e a próxima. Terminada a performance, passam o chapéu, em busca do reconhecimento do talento. Quem aplaude são sempre os turistas recém-chegados. O parisiense não costuma mover um músculo sequer, muito menos tirar os olhos do Le Monde, do Fígaro, do Libération ou mesmo do último romance do Paulô Coelhô - assim mesmo, com a tônica na última sílaba.



Além dos artistas, despontam agitadores de toda a ordem - muitos até contra a ordem. Há quem faça discursos políticos ou pregação religiosa. Até os vagabundos trabalham, por mais paradoxal que possa parecer. São os clochards (mendigos), que vendem seus próprios jornais nos vagões. Outros colhem assinaturas contra tudo e contra todos - menos contra os abaixo-assinados (fica a dica). Enfim, ninguém sai (nem entra) à francesa.

Em meio a tanta agitação é difícil para qualquer visitante se deixar entediar.

Se o espetáculo dentro do vagão não estiver à altura, basta virar a cabeça e olhar pela janela. Não há estação igual a outra. Em comum, elas tem apenas os affiches e o peculiar odor de perfume-suor-tabaco-água parada-óleo de maquinaria - urina de rato e produtos de limpeza.

Graças à variedade das estações, viajar pelo metrô pode ser, também, um passeio pelo século 20. Boa parte das estações, construída no início do século, mantém o estilo art nouveau, que fez a glória de Lalique, Mucha, Beardesley e Klimt, entre outros artistas.

É assim na Abbesse, é assim na Cluny la Sorbonne e, também, La Défense, que, seguramente, estão entre as mais atraentes. Já a Louvre-Rivoli, repleta de obras de arte, consiste, na prática, numa ante sala do Museu do Louvre.   


Mas nem todas as estações do metrô revelam, com perdão da rima, um estilo retrô. Algumas têm um desenho futurista. Em especial as sete da Linha 14, inaugurada em 1998.

Uma viagem pelos trilhos do século pode começar pela estação Couronnes, na linha 2. Infelizmente, foi o cenário da maior tragédia da história do metrô. No dia 10 de agosto de 1903, três anos depois da inauguração do métropolitain, um dos seus trens se incendiou. Resultado: a fumaça negra asfixiou e matou 84 pessoas, que, em desespero, procuram as saídas.

Já nos meses seguintes profundas medidas tiveram de ser tomadas pra evitar outras catástrofes. A parte elétrica dos trens foi isolada; os comboios, diminuídos; as placas indicando as saídas, iluminadas. Outras tantas medidas se juntaram a essas; e a tragédia jamais se repetiu.

Ainda assim o metrô sofrera grandes estragos em 1910, quando as chuvas castigaram Paris, elevando o nível do Rio Sena em 6 metros. Na ocasião, algumas estações da Linha 1 acabaram submersas. É curioso ver as fotos da época, revelando funcionários trafegando de barco, no espaço reservado aos trens. Estragos ainda piores ocorreram durante a Segunda Guerra Mundial.

As estações funcionaram como abrigo antiaéreo, o que não impediu que diversas delas fossem bombardeadas. O pós-guerra empurrou o metrô para um período de decadência que só terminaria em 1949, quando Paris partiu e busca do tempo perdido e deu a volta por cima, modernizando a volta por baixo no sistema de trens subterrâneos.

O Métropolitain conta com agentes e policiais com a incumbência de fiscalizar se o passageiro de fato pagou pelo serviço. Por isso, ninguém deve se livrar do tíquete, mesmo depois de ter passado pela catraca. Acontece que a fiscalização pode abordar qualquer um, a qualquer momento.

Não adianta alegar que é brasileiro, que não fala francês, que perdeu o bilhete, que não sabia de nada, esquindô esquindô, Ayrton Senna, Pelé, samba, Ronaldo, caipirinha e teleco teco. Terá que pagar imediatamente a multa. Pode ser pior para aqueles que insistirem no blábláblá. Os fiscais tem autorização para dobrar o valor. Quem engrossar, vai explicar o blábláblá para o delegado, comme il fault.  

Com todo este burburinho subterrâneo, assim como a cidade de Paris, o metrô dela também é uma festa!

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